ESTUDO DO TRATAMENTO DE PACIENTES COM LEUCEMIA MIELÓIDE CRÕNICA QUE FAZEM USO DE INIBIDOR DE TIROSINA QUINASE REGISTRADOS NO NÚCLEO DE HEMATOLOGIA E HEMOTERAPIA DE SANTOS

Camila Cruz Martino, Eliana Claudia Perroud Morato Ferreira

Resumo


A leucemia mielóide crônica (LMC) é uma doença clonal caracterizada por uma mieloproliferação. Dentre as alterações hematológicas encontradas na doença, pode-se observar a hiperplasia mielóide, leucocitose, neutrofilia, basofilia e esplenomegalia (ZAGO, 2005; FADERL et al., 1999;  HEIM et al.,1995 apud ALVARENGA et al.,2010).

O diagnóstico pode ser confirmado por uma anormalidade citogenética caracterizada pela presença do cromossomo Philadelphia (Ph) proveniente da translocação entre os cromossomos 9 e 22 e rearranjo dos genes  BCR e ABL  resultando em um novo gene BCR-ABL que codifica uma proteína com atividade de tirosina quinase aumentada sendo responsável pela maioria das características  clínicas da doença (FADERL et al., 1999;  HEIM et al.,1995 apud ALVARENGA et al.,2010; ZAGO; FALCÃO; PASQUINI, 2005).        

            Sob o ponto de vista epidemiológico, a LMC representa 20% das leucemias, tendo maior frequência em adultos com idade média de 55 anos. Afeta ambos os sexos, contudo a maior prevalência é do sexo masculino. Sendo menos de 10% dos casos observados em pacientes com idade inferior a 20 anos (CORTES, 2004 apud BOLLMANN; GIGLIO, 2011).

            A LMC apresenta três fases distintas: fase crônica, fase acelerada e fase blástica, com manifestações clínicas e laboratoriais características de cada fase (ZAGO; FALCÃO; PASQUINI, 2005).

            Dentre os exames laboratoriais solicitados atualmente para o monitoramento da LMC são: hemograma, mielograma, biópsia de medula óssea, cariótipo usado para confirmação do diagnostico; a reação em cadeia da polimerase (PCR) e a hibridização in situ por fluorescência (FISH); além da análise por Nothern e Southern blot (ALMEIDA PSR, SADDI VA, 2007 apud GRANDO; WAGNER, 2007; CROSS, 1997 apud BRANCO, 2010; CHAUFAILLE, 2010).

A progressão da gravidade da LMC pode ocorrer com os pacientes afetados pela doença. Ela pode evoluir para fase blástica, em alguns casos. Portanto, os pacientes devem ser acompanhados rotineiramente, solicitando exames específicos para o acompanhamento da evolução da doença, verificando a eficácia do tratamento, detecção precoce de uma possível agudização da doença e a terapia mais adequada de acordo com a resposta apresentada pelo paciente (SOUZA et al., 2012).

Através desse monitoramento dos pacientes se torna possível à avaliação do inibidor de tirosina quinase (ITK) mais eficiente ao paciente observando a eficácia do tratamento, as alterações hematológicas a resposta citogenética e molecular além de verificar a evolução e o prognóstico da doença.

O tratamento padrão estabelecido para LMC em fase crônica é realizado com ITK de primeira geração, o imatinibe, que tem a função de inibir a proteína bcr-abl com ação restrita aos clones de células Ph positivos sendo assim capaz de controlar a doença a longo prazo promovendo uma melhor qualidade de vida aos pacientes (GOLDMAN, 2007; BACCARANI, et al., 2009 apud NUNES, 2013). Devido a eficaz resposta hematológica e citogenética, e principalmente por atingir respostas moleculares superiores quando comparadas a outras terapias. Porém, quando o paciente se torna resistente, intolerante ao medicamento ou apresenta alterações cromossômicas adicionais, ele é substituído por ITK de segunda geração, como o dasatinibe e o nilotinibe, os quais demonstraram respostas mais rápidas e mais tolerantes aos pacientes com LMC, sendo assim aprovados a partir de 2010 para pacientes recém diagnosticados na fase crônica da doença como primeira linha de tratamento por apresentar resultados mais benéficos quando comparado a resposta hematológica, citogenética e molecular, bem como a progressão da doença. Porém, no Núcleo de Hematologia e Hemoterapia de Santos (NHHS) é estabelecido como tratamento padrão para LMC o imatinibe. Sendo assim os inibidores de segunda geração usados como segunda linha de tratamento para LMC em casos de toxicidade, intolerância ou perda de adesão (SOUZA et al., 2013).

Através de exames específicos e das características clínicas é possível determinar a fase em que o paciente se encontra e o ITK mais adequado para o tratamento. Os exames hematológicos como mielograma demonstram possível hipercelularidade dos precursores granulocíticos e hemograma para avaliação e acompanhamento do estado hematológico destes pacientes. Entretanto o exame solicitado para a confirmação do diagnóstico é o cariótipo indicado para a observação do cromossomo philadelphia quantificando o número de metáfase do Ph positivo (CHAUFFAILLE, 2009; CHAUFFAILLE, 2010).

Outro exame solicitado, porém não especifico para LMC, é a biópsia medular que verifica a expansão medular decorrente da hiperproliferação dos precursores mielóides nos pacientes com LMC (SERDLOW et al.,2008 apud CHAUFFAILLE, 2010). A Técnica de amplificação de ácido nucleico através da PCR (Reação de Polimerase em Cadeia) usada para a pesquisa da proteína bcr-abl, além de permitir a observação de mutações que podem resultar em recidiva da doença (ALMEIDA PSR, SADDI VA, 2007 apud GRANDO; WAGNER, 2007). Já a técnica de FISH, por ser uma técnica bastante moderna e sensível, detectando o gene de fusão BCR-ABL em situações de ausência de Ph no cariótipo e quando não é encontrada metáfase (CHAUFFAILLE, 2009; VAZ DE CAMPOS et al., 2007 apud CHAUFFAILLE, 2010).

Os parâmetros utilizados para verificar a evolução do paciente e eficácia do tratamento são: A resposta hematológica sendo considerada completa quando as plaquetas se encontram abaixo de 450.000/mm³; leucócitos abaixo de 10.000/mm³ com diferencial dentro das normalidades e os basófilos abaixo que 5% (KANTARJIAN et al., 2008 apud BOLLMANN; GIGLIO, 2011).

A avaliação da resposta citogenética caracterizada por resposta citogenética completa significando que o indivíduo não apresenta cromossomo Ph; resposta citogenética parcial no qual significa que o cromossomo Ph está presente entre 1 a 35% das células; na resposta menor caracterizada pela presença do cromossomo Ph entre 36% a 65% das células; resposta citogenética mínima na qual o cromossomo Ph se encontra em uma proporção de 66 a 95% e ausência de resposta no qual o cromossomo Ph está presente em mais de 95% das células (KANTARJIAN et al., 2008 apud BOLLMANN;  GIGLIO, 2011).

Entretanto para que se obtenha a resposta molecular maior tem que haver redução de três logs dos transcritos de BCR-ABL que corresponde a 0,1% pela escala internacional no exame de PCR e a remissão é caracterizada pela ausência ou a não detecção da transcrição BCR-ABL em dois exames seguidos. Essa remissão durante 2 anos pode resultar na interrupção do tratamento com imatinibe tendo 10% de chances de cura da doença (MAHON et al, 2010 apud BARROS 2012).

O objetivo é realizar um estudo retrospectivo através de levantamento de dados dos pacientes com LMC que fazem uso de inibidor de tirosina quinase registrados no Núcleo de Hematologia e Hemoterapia de Santos (NHHS), elaborando uma caracterização laboratorial desses pacientes, desenvolver um estudo comparativo entre as alterações apresentadas nos exames e avaliar o efeito terapêutico dos inibidores de tirosina quinase no tratamento dos pacientes com LMC por meio da resposta hematológica, citogenética e molecular.

A metodologia foi baseada em um estudo retrospectivo após a aprovação do Comitê de Ética em Pesquisa do Centro Universitário Lusíada, protocolo CAAE 22327213.3.0000.5436 (207/2013) Através de levantamento de dados de trinta e sete pacientes com LMC registrados no NHHS através de revisão de prontuários de Janeiro a Fevereiro de 2014. Dentre os pacientes o mais antigo diagnosticado data-se de 1992 e o mais recente confirmado em fevereiro de 2014.

Entre os dados coletados, referem-se o medicamento utilizado pelo paciente, hemograma, mielograma, cariótipo, PCR, biopsia da medula óssea e FISH.

Os parâmetros utilizados para verificar a evolução do paciente e eficácia do tratamento foram avaliados pelo aspecto hematológico, resposta citogenética e resposta molecular.

Dos 37 pacientes estudados foi observado que 78,38% (n=29) apresentaram o cromossomo Ph ao diagnóstico. Todos os pacientes utilizaram como medicamento, no início da doença, o imatinibe que se mostrou eficiente como primeira linha de tratamento de LMC. Destes, um apresentou aplasia de Medula Óssea secundária, os demais (97,30%), se encontram atualmente na fase crônica da doença.

 Através da análise da resposta hematológica foi possível constatar que o tratamento trouxe resultados satisfatórios, decorrente de mais da metade dos pacientes 64,86% (n=24) alcançaram resposta hematológica completa tendo diminuição do quadro de leucocitose, trombocitose e de células imaturas em sangue periférico. Porém, 29,73% (n=11) pacientes demonstraram falha no tratamento inicial e por esta razão apresentaram recidiva destes parâmetros precisando trocar por inibidores de tirosina quinase de segunda geração sendo 24,32% (n=9) substituíram pelo dasatinibe; um paciente (2,70%) substituiu por nilotinibe; e um paciente (2,70%) necessitou trocar três vezes de medicamento (imatinibe, dasatinibe e nilotinibe), porém não obteve respostas satisfatórias decorrente da existência do cromossomo Ph duplo e uma mutação adicional (Q250H), permanecendo atualmente com o dasatinibe. Entretanto, 64,86% (n=24) dos pacientes permanecem o tratamento com imatinibe por não apresentar adversidades, intolerância e/ou resistência ao medicamento e 5,4% (n=2) pacientes estão com a medicação suspensa.

Em concordância com o dado acima, foi evidenciado que 45,95% (n=17) atingiram algum tipo de resposta citogenética. Sendo 35,13% (n=13) obtiveram resposta citogenética completa; 5,41% (n=2) tiveram resposta citogenética parcial; 5,41% (n=2) apresentaram resposta citogenética mínima. Dentre todos os pacientes 27,03% (n=10) atingiram resposta molecular maior sendo destes, 5,41% (n=2) de remissão completa da doença (KANTARJIAN et al., 2008 apud BOLLMANN; GIGLIO, 2011).

Através dos resultados obtidos foi possível observar a importância do monitoramento de resposta ao uso de inibidores de tirosina quinase para o tratamento de LMC, pois além de avaliar a resposta, também identificou uma possível resistência ao tratamento, ainda em tempo de mudar a estratégia terapêutica evitando progressão da doença para a fase acelerada ou fase blástica.

 

ALVARENGA, Tatiana F. et al. Efeitos adversos e resposta citogenética em pacientes com leucemia mieloide crônica tratados com imatinibe. Revista Brasileira de Hematologia e Hemoterapia, Rio de Janeiro, v. 32, n. 2, p.116-122, 2010.

BOLLMANN, Patricia Weinshenker; GIGLIO, Auro Del. Leucemia mieloide crônica: passado, presente, futuro. Einstein, São Paulo, v. 9, n. 2, p.236-243, maio 2011.

BARROS, Sandra Rodrigues. Tratamento da Leucemia Mielóide Crónica no Séc XXI. 2012. 39 f. Dissertação (Mestrado) - Curso de Medicina, Universidade do Porto, Porto, 2012.

BRANCO, Susana Bernadete Coelho. Aplicação de FISH e RQ-PCR no estudo da leucemia mielóide crónica. 2009. 81 f. Dissertação (Mestrado) - Curso de Biologia Molecular e Celular, Departamento de Biologia, Universidade de Aveiro, Aveiro, 2009.

CHAUFAILLE, Maria de Lourdes Lopes Ferrari.. Neoplasias mieloproliferativas: revisão dos critérios diagnósticos e dos aspectos clínicos. Revista Brasileira de hematologia e hemoterapia, vol. 32, n. 4, 2010.

CHAUFFAILLE, Maria de Lourdes Lopes Ferrari. Leucemia mieloide crônica: tratamento baseado em evidências. Clínica Médica Ou Diagnóstico Tratamento, São Paulo, v. 14, n. 2, p.62-65, mar. 2009.

NUNES, Ana Paula Costa Athayde. Avaliação do efeito terapêutico do mesilato de imatinibe em pacientes com Leucemia mieloide crônica. 2013. 22 f. TCC (Graduação) - Curso de Biomedicina, Centro Universitario de Brasilia - Uniceub, Brasilia, 2013.

SOUZA, Cármino Antonio et al. Diretrizes em foco: Leucemia Mieloide Crônica. Revista da Associação Médica Brasileira, São Paulo, v. 59, n. 03, p.220-232, 20 jul. 2012.

ZAGO, Marco Antonio; FALCÃO, Roberto Passetto; PASQUINI, Ricardo. Hematologia: fundamentos e prática. São Paulo: Atheneu, 2005.


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Referências


ALVARENGA, Tatiana F. et al. Efeitos adversos e resposta citogenética em pacientes com leucemia mieloide crônica tratados com imatinibe. Revista Brasileira de Hematologia e Hemoterapia, Rio de Janeiro, v. 32, n. 2, p.116-122, 2010.

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